Liberdade de expressão

“É fácil submeter povos livres: basta retirar – lhes o direito de expressão”. Marechal Manoel Luís Osório, Marquês do Erval -15 de abril de 1866

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12 fevereiro, 2023

AO CRITICAR O BC, LEO III TENTA “TERCEIRIZAR” A CULPA PELA INFLAÇÃO DOS JUROS E DA COMIDA

Dez entre dez brasileiros preferem feijão, mas os preços aumentaram 30% na média nacional dos últimos doze meses. Em capitais como Belém e Goiânia a alta foi recorde, de 51% até janeiro. O arroz subiu 30% nas cidades do Sudeste e a farinha de mandioca, (macaxeira para nordestinos), aumentou 46% no eixo Aracaju-Fortaleza.

 

Está cada vez mais caro o prato “sabor bem Brasil”, louvado por Gonzaguinha e cantado pelas Frenéticas na trilha da novela Feijão Maravilha. Era 1979 e Leo, sindicalista metalúrgico, se encantava com a ideia de criar um Partido dos Trabalhadores.

 

O PT surgiu num domingo do verão seguinte, 10 de fevereiro, em São Paulo. Registrou no manifesto de fundação a pretensão de “ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista”, com disposição de chegar ao governo “para que se efetive o poder de decisão dos trabalhadores sobre a economia e os demais níveis da sociedade”. Passaram-se 43 anos, um terço deles com Dilmo e Dilma no Palácio do Planalto. Lula-III tem mais 47 meses à frente no calendário do poder.

 

Quatro décadas passaram na janela e o PT continua com o mesmo problema na mesa: a indefinição de um projeto de desenvolvimento para o país, alternativo ao modelo de “Estado forte” desbotado no fim do século passado.

 

No Rio de 1983, o psicanalista Hélio Pellegrino, um dos fundadores do partido, espantou-se com o noticiário sobre o custo do dinheiro: “Com juros a 400%, não há libido que aguente”, reagiu bem-humorado.

 

Em Brasília, nos últimos dias, um Lula mal-humorado criticou a “vergonha” de uma taxa de juros de 13,75%, (metade do que era em fevereiro do seu primeiro mandato). E mobilizou sua base no Congresso numa guerrilha política para derrubar o presidente e a diretoria do Banco Central.

 

O PT passou a qualificar a instituição como “entrave ao desenvolvimento”. O PSOL apresentou projeto para liquidar com a autonomia do BC, aprovada 24 meses atrás pelo Legislativo. O PCdoB pediu à União Nacional dos Estudantes (UNE) a organização de protestos para “garantir nas ruas” mudanças na política monetária.

Na verdade, antes mesmo de apresentar ao Congresso o desenho de uma política alternativa, e consistente, Leo III estimula a divisão dentro do governo diante das aflições com as fragilidades da economia expressas nas taxas de juros e de inflação.

 

Culpar o Banco Central pela estagnação é inútil, assim como cobrar promessa de candidato sobre o fim da reeleição a governante que sonha com novo mandato.

 

Em 1989, quando Lula estreou no ofício de candidato presidencial do PT, contra Fernando Collor, o Brasil encerrava um ciclo de século e meio de crescimento contínuo.

 

Desde a independência, a produção de riqueza avançou em velocidade três vezes acima da média mundial, medida pelo produto interno bruto (PIB). O país multiplicou por dez sua participação na economia global. Representava 0,3% no final da colonização portuguesa, saltou para 3% na era da computação portátil. Desde então, essa encolheu e se mantém estacionada em patamar inferior a 2,5%.

 

No fim do século passado, ainda eram notáveis as similaridades no estágio de desenvolvimento do Brasil com o da China, da Índia, da Coreia do Sul e da Espanha, entre outros.

 

O tempo passou na janela e o país manteve-se estagnado, apesar da reconhecida abundância de insumos vitais (população, terra, água, energia renovável e fronteiras pacificadas) e da relativa autonomia tecnológica com potencial transformador para a sociedade.

 

Atravessou as últimas quatro décadas aprisionado numa lógica de atraso econômico e social mensurável nos portões das cadeias e das escolas de ensino básico, enquanto China, Índia, Coreia do Sul, Espanha e outros mudaram de “clube”.

 

O debate sobre teorias monetárias é relevante, mas economia é importante demais para ficar restrita aos economistas — até porque, como ensinou John Kenneth Galbraith, eles gostam de ficar brigando entre si para não correr o risco de estar todos errados ao mesmo tempo.

 

O que falta mesmo é autocrítica na política, como Lula, Dilma, José Sarney, Fernando Henrique e Fernando Collor reconheceram numa longa conversa durante a viagem para o funeral de Nelson Mandela, na África do Sul, em dezembro de 2013.

 

Seis meses antes, o povo havia saído às ruas em protesto contra tudo e contra todos. A estrutura política feneceu. Sem acordo, ainda não surgiu o novo. Enquanto isso, o “feijão maravilha” está cada vez mais caro na cara do prato.

*Veja

Domingo, 12 de fevereiro 2023 às 11:06


 

11 fevereiro, 2023

PROMISCUIDADE ENTRE ADVOGADOS E JUÍZES REFORÇA DESIGUALDADE NO DIREITO DE DEFESA

Todos os réus são iguais, mas alguns réus são mais iguais do que outros. Na “Revolução dos Bichos”, os porcos se declaram “mais iguais do que outros” para demarcar sua distinção na comunidade. Na bruta vida brasileira, poderosos podem contar com o Judiciário para se fazerem mais iguais como os porcos da fábula de George Orwell.

 

Daniel Dantas, Jacob Barata, Edmar Cid Ferreira, Salvatore Cacciola, políticos de todo o espectro e outros sócios eméritos da confraria dos habeas corpus a jato no STF demonstraram o caminho.

 

Enquanto miseráveis dos furtos de miojo e xampu, do “gato” para ter luz no barraco ou do porte de gramas de maconha esperam meses na fila do habeas corpus, outros têm entrada na via do HC express. A fila vip nem fila é. Costuma levar horas, a depender do ministro.

 

A distribuição desigual do direito de defesa é lei sociológica tão mais infalível quanto mais desigual e institucionalmente precária a sociedade. Onde o Estado de Direito não consegue mais do que administrar vantagens e injustiças, conforme a capacidade de pagar por serviço legal, tribunais viram casas de leilão de direitos.

 

Pensava-se, no passado, que o problema estava no fato de pessoas pobres não terem advogado. Mais tarde, quando programas de assistência jurídica gratuita se expandiram, dizia-se que a diferença de tratamento estava na má qualidade do serviço jurídico.

 

A defensoria pública, apesar da sobrecarga e do déficit de infraestrutura, passa a prestar serviço de excelência. Por que a desigualdade indisfarçada continua? Entre outras razões, porque defensores não participam do círculo da advocacia lobista. Seus clientes, habitantes da periferia social, ainda tentam sobreviver à fome, à violência policial e ao preconceito.

 

No meio da depravação, que constitui e contamina parcela do campo advocatício e judicial, sobretudo em tribunais superiores, não só o ritual da imparcialidade se corrói. Ali nunca haverá direito de defesa equitativo.

 

Mais do que isso: raras vezes haverá defesa propriamente jurídica. Esse tipo de “defesa” depende menos do brilhantismo do advogado e mais da disposição para violar a ética advocatícia e judicial.

 

Sem exatamente praticar o Direito, mas o lobby, o advogado garimpa uma nulidade criativa e ganha a causa. O juiz, em contrapartida, ganha prêmios materiais ou simbólicos. De viagem a Lisbon a jatinho para Roland Garros e GP de Mônaco. Ou agrados mais modestos, vinhos aqui, estadias ali, palestras remuneradas em bancos acolá. Juntos se locupletam.

 

Quando juízes se deixam cortejar por advogados promoters, cuja arte bebe mais na tradição de Amaury Jr. e João Doria do que na de José Carlos Dias e Sobral Pinto, mais na paparicação do que na argumentação jurídica, quando o encontro se dá mais ao pé do ouvido do que em público, menos nos salões da Justiça e mais nos jardins do Lago Sul, o Estado de Direito se torna um teatro burlesco.

 

O código muda: no lugar de discutir a interpretação das leis, dos fatos e das provas, o juiz calcula o que ganha com isso. Advogados discretos e não festivos, ou defensores públicos, têm pouca chance nessa farsa. Uma forma de corrupção da prática judicial e advocatícia.

 

O time do centrão magistocrático, numeroso nos tribunais de cúpula, participa de eventos com políticos e empresários, de festas em casa de advogados com quem despacham no cotidiano.

 

Também se articulam com o centrão parlamentar para empregar filhos em cargos diversos, como o Conselho Nacional de Justiça. Ou para influenciar as nomeações dos próprios cargos de ministros. Sabemos quem são e de onde vêm.

 

Há muito a fazer contra isso. Primeiro, observar se a mobilização pública de certa advocacia pela causa abstrata do Estado de Direito não se resume, na prática, ao interesse menos republicano por nulidade processual inusual e malandra que libere seu cliente.

 

Além disso, é preciso ajudar a combater, em vez de alimentar, a degradação ética normalizada nas cortes. Da mesma forma, monitorar como e com quem ministros alocam seus recursos escassos de tempo e atenção.

 

O presidente da República pode enfrentar a tradição corrupta, se nomear juristas que nunca compactuaram com ela. Lula trairá seu compromisso se indicar ministro que promove a desigualdade na distribuição de Justiça, em vez de optar por quem tenta revertê-la.

 

O centrão magistocrático e a advocacia fisiológica parasitam tribunais superiores e os corrompem. O Estado de Direito está na fila de espera. Junto com pobres presos (geralmente pretos) na fila do habeas corpus. No mutirão pela igualdade, a igualdade do direito de defesa deveria caber.

*Folha

Sábado, 11 de fevereiro 2023 às 10:59



10 fevereiro, 2023

A MAIORIA DAS PESSOAS QUE TOMAM ANTIDEPRESSIVOS NÃO PRECISA DELES

 

Há quase 35 anos, os reguladores de medicamentos americanos aprovaram o Prozac, o primeiro de uma série de antidepressivos de grande sucesso conhecidos como inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRIs).

 

 O Prozac e seus primos foram elogiados por pacientes e médicos como medicamentos milagrosos. Eles levantavam o humor baixo rapidamente e pareciam não ter inconvenientes. Divórcio, luto, problemas no trabalho – uma pílula diária estava lá para ajudar com isso e qualquer outra coisa que te deixasse triste. Muitas pessoas permaneceram com essas drogas por toda a vida. Nos países ocidentais hoje, entre uma pessoa em sete e uma em dez toma antidepressivos.

 

O brilho dos ISRSs acabou. Um número crescente de estudos mostra que eles são menos eficazes do que se pensava. As empresas farmacêuticas muitas vezes publicam os resultados dos ensaios clínicos seletivamente, retendo aqueles em que os medicamentos não funcionam bem. Quando os resultados de todos os ensaios submetidos ao regulador de medicamentos dos Estados Unidos entre 1979 e 2016 foram examinados por cientistas independentes, descobriu-se que os antidepressivos tiveram um benefício substancial além do efeito placebo em apenas 15% dos pacientes.

 

As diretrizes clínicas foram revisadas adequadamente nos últimos anos. Os medicamentos não são mais a primeira linha de tratamento recomendada para casos menos graves de depressão. Para estes, a orientação de autoajuda, terapia comportamental e recomendações para coisas como exercícios e sono são preferíveis. Para o esgotamento do trabalho, um atestado médico para folga pode ser suficiente. As drogas devem ser reservadas apenas para depressão mais grave, onde podem realmente salvar vidas.

 

O problema é que muitas pessoas que não precisam de antidepressivos já os estão tomando, reabastecendo prescrições escritas anos ou mesmo décadas atrás. Eles devem ser ajudados a abandonar as drogas. Os efeitos colaterais geralmente limitam a vida e, à medida que as pessoas envelhecem, tornam-se fatais. Eles incluem disfunção sexual (que os pacientes descrevem como “anestesia genital”), letargia, dormência emocional, aumento do risco de defeitos congênitos quando tomado durante a gravidez e, em idosos, derrames, quedas, convulsões, problemas cardíacos e sangramento após a cirurgia. Esta é uma ameaça para os sistemas de saúde à medida que os usuários de longo prazo envelhecem.

 

Os médicos raramente falam com os pacientes sobre a interrupção dos medicamentos porque temem que isso possa levar ao retorno dos sintomas depressivos. Mas para muitas pessoas pode ser seguro parar. Mesmo entre usuários de longo prazo com vários episódios anteriores de depressão, um estudo recente na Grã-Bretanha mostrou que 44% dos pacientes poderiam parar de tomar pílulas com segurança. Para casos mais leves, a taxa de sucesso é provavelmente ainda maior.

 

Várias coisas são necessárias para que a mudança aconteça. Os médicos precisam de orientações sobre como desprescrever os medicamentos. As seguradoras e provedores de assistência médica, como os vários serviços nacionais de saúde da Grã-Bretanha, deveriam começar a pagar por formas de fornecer os medicamentos que ajudam aqueles que desejam parar de tomá-los, mas que precisam diminuí-los para evitar efeitos graves de abstinência. Isso inclui formulações líquidas, tiras afiladas que contêm comprimidos com concentrações progressivamente menores de drogas e os serviços de farmácias de manipulação, que preparam doses sob medida. Na Holanda, 70% das pessoas que usam tiras de redução gradual conseguiram parar de fumar com sucesso.

 

Tudo isso pode custar mais do que reabastecer prescrições hoje. Mas com tantas pessoas tomando remédios, os custos dos efeitos colaterais logo se acumularão. Adicione a isso a miséria de milhões cujas vidas foram roubadas de suas alegrias comuns por prescrições inúteis, e o caso de mudança é incontestável.

* go outside

Sexta-feira, 10 de fevereiro 2023 às 12:14


 

08 fevereiro, 2023

UM SÉCULO DEPOIS, CONTINUAMOS SUBMETIDOS ÀS “VERDADES” QUE RUY BARBOSA DENUNCIAVA

Na homilia de domingo, no Mosteiro de São Bento de Brasília, o bispo de Formosa (GO), dom Adair Guimarães, relembrou uma antiga fábula judaica sobre a Verdade e a Mentira, que se banhavam num poço. A mentira, aproveitando-se de uma distração da Verdade, saiu do poço, vestiu-se com as roupas da Verdade e saiu pelo mundo.

 

Vestida de Verdade, a Mentira foi bem recebida por todos. Saída sem roupas do poço, a Verdade percebe que as pessoas fogem dela, pois ninguém quer saber da Verdade nua e crua. No mesmo domingo, encontrei na primeira página do Correio da Manhã de 9 de março de 1919 um discurso de Ruy Barbosa, em que um amigo advogado pinçou um trecho dedicado às verdades e mentiras.

 

Ruy Barbosa afirmava que há mentira em toda a parte, nos programas, nos projetos, nas reformas, nas convicções, nas soluções. “Mentira nos homens, nos atos e nas cousas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações, nos blocos.”

 

E segue, discursando que há mentira nas instituições, nas eleições, nas apurações, nas mensagens, nos relatórios, nos inquéritos… “mentira nos desmentidos. Uma impregnação tal das consciências pela mentira, que se acaba por não discernir a mentira da verdade, que os contaminados acabam por mentir a si mesmos, e os indenes (íntegros), ao cabo, muitas vezes não sabem se estão ou não mentindo”.

 

Não é que Ruy Barbosa esteja atual, seja um especial de profeta; é que, desse discurso de 1919 até hoje, nós continuamos convivendo com esse tipo de cultura, como cúmplices, já que só nós, eleitores, somos capazes de mudar essa situação, pelo voto e pela cobrança de nossos mandatários.

 

Passaram-se 104 anos desde esse desabafo de nosso mais ilustre jurista – relemos o que o jornal da época publicou e descobrimos, assustados, que poderia estar no jornal de hoje. E que, mais de um século depois, poucos, como Ruy, se escandalizam com as mentiras. Parece que a maioria prefere fingir que as aceita. Depois, acabam convivendo com a mentira e são reféns dela.

 

A Mentira vestida de Verdade declama todos os dias narrativas com o mesmo cerne e as repete tanto que nossos cérebros acabam repetindo a mentira como verdade. Não exigimos que a travestida Mentira demonstre o que nos impõe; apenas aceitamos sem perceber que estão nos treinando para não discutir.

 

A rebeldia da desconfiança é desestimulada pela ameaça de punição, de censura. A dúvida, a rebeldia, nos desnuda perante os outros, que se afastam como se afastaram da Verdade. E, quando começarmos a mentir para nós mesmos, é porque a Mentira venceu. E a Verdade talvez esteja afogada no fundo do poço.

*Gazeta do Povo

Quarta-feira, 08 de fevereiro 2023 às 23:28