Daqui
a cinco domingos, 150 milhões de brasileiros vão às urnas para escolher
prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o país. No Entorno do Distrito
Federal, composto por 33 municípios, sendo quatro pertencentes a Minas Gerais e
o restante a Goiás, o resultado do pleito afeta 1,6 milhão de moradores. Diante
de profundos problemas sociais, como violência urbana, saúde, com avanço do
coronavírus na região, desigualdade social e transporte precário, o papel dos
representantes locais se torna ainda mais importante.
A
região goiana é alvo do empurra-empurra entre os governos de Goiás e do DF, sem
ter os problemas solucionados. Quatro cidades — Formosa, Valparaíso, Águas
Lindas e Luziânia — abrigam 45,9% da população do Entorno e os eleitores pedem
que os planos e ações para melhoria da qualidade de vida se estendam para além
do período de campanha e de votação. Nestas localidades, 27 candidatos
concorrem aos cargos de prefeito. Especialistas falam sobre o cenário de
abandono da região e apontam a necessidade de se colocar em prática soluções
para melhorar o atendimento da população nos serviços públicos.
A
Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) considera que 12
municípios de Goiás na região formam a Periferia Metropolitana de Brasília (PMB)
— eles somam 1,2 milhão de habitantes. Uma Pesquisa Metropolitana por
Amostragem de Domicílios (PMAD), realizada em 2017, já mostra a discrepância
social: se em Brasília a renda per capita é de R$ 2.461, em Valparaíso de Goiás
(o maior valor entre as quatro cidades), é R$ 829,34. Ou seja, um terço de
Brasília. Águas Lindas tem o menor valor: R$ 616,9.
Apesar
das diferenças, essas cidades têm relação estreita com a capital federal. Um
retrato fiel desta ligação ficou mais claro com a pandemia de coronavírus, em
que 24% dos moradores disseram ter procurado o serviço público de saúde da
capital para receber atendimento médico, segundo estudo da Codeplan. Em algumas
cidades, esta taxa é bem maior, como o Novo Gama, onde 70% da população
dependem do DF para receber atendimento de saúde. Em Águas Lindas, uma das
maiores cidades do Entorno, a dependência afeta 39% da população.
Com
o avanço do novo coronavírus na região, a atenção dos eleitores para o
atendimento nas unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento e
hospitais, aumentou. Na boca dos eleitores, este é o principal tema e também
mobiliza candidatos. As quatro cidades, apesar de englobar 725 mil habitantes,
não têm leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) habilitados ao Sistema
Único de Saúde (SUS), segundo dados do Ministério da Saúde — a não ser os que
estão recebendo pacientes com covid-19 nos hospitais de campanha de Águas
Lindas e Luziânia. Outras áreas seguem na demanda da população, e muitas têm a
ver com a relação econômica entre Brasília os municípios à sua volta.
O
abandono e a falta de solução para problemas históricos geram desconfiança por
parte da população. O ladrilheiro Saulo Marcos da Silva, de 61 anos, morador de
Luziânia, se diz sem esperança com a política. Para ele, os políticos se
preocupam apenas com os próprios interesses. “A maioria não faz nada, só pensa
no que lhe diz respeito. Tem gente que está lá há muito tempo e não faz nada.
Prefiro votar em alguém que está entrando agora”, afirma. Seu voto para
vereador, inclusive, será em um amigo que acaba de entrar na política.
Um
dos candidatos a prefeito em Águas Lindas, tenente Rajão (Patriota) fala sobre
a situação do Entorno ao comentar sobre um hospital que está sendo construído
há 15 anos. A unidade era municipal, passou para o estado em 2013, já chegou a
ter uma das etapas inaugurada, mas continua fechada. “Tem uma série de fatores
que explicam o fato de o hospital virar uma lenda na cidade. Um deles é que o
Estado não encara o Entorno como prioridade, mas, sim, como um problema do DF.
E o DF não pode intervir, porque é Goiás”, avalia. Para ele, a solução seria
criar uma região metropolitana do Distrito Federal. “Está na hora das bancadas
de Goiás e DF sentarem, pararem com o regionalismo e encararem isso”, diz.
Cientista
político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Robert Bonifácio
afirma que, embora a região seja em território goiano, ela funciona como uma
espécie de Grande Brasília. A situação, então, é de um Plano Piloto altamente
rico e uma periferia com ausência de serviços básicos. Conforme o professor,
mesmo as cidades dentro do DF sofrem com esse problema, mas elas integram o
governo do DF, diferentemente dos municípios goianos.
“Esses
municípios vivem uma lógica ao redor de Brasília. Estão longe de Goiânia, mas
são Goiás. As mazelas não são percebidas pelo governo de Goiás e, se são
percebidas, não há interesse em resolvê-las, quando, em tese, a dinâmica de
Brasília pode fazer isso. Mas ao GDF não compete lidar com a região”, explica.
Bonifácio
ressalta que a região tem uma riqueza relativa, mas não é a grande moeda de
troca, que, no caso, é o próprio eleitor. “O interesse dos políticos na região
é puramente eleitoral. A população não tem influência política; são, na
maioria, pobres, periféricos, não são vistos. As pessoas não vão ao Entorno;
não é atração turística, não é destino social, tecnológico. Mas eles têm
votos”, afirma. A pandemia, segundo ele, forçou o governo a aparecer pela
região, com montagem de hospital de campanha.
Para
o professor, a ausência de interesse por parte dos agentes políticos em
resolver os problemas da região pode estar mudando com a entrada do governador
Ronaldo Caiado (DEM) no circuito político, depois de derrotar o candidato do
ex-governador Marconi Perillo (PSDB), que estava no poder desde o final da
década de 1990. “Há a necessidade de correr para as áreas mais populosas, como
o Entorno”, diz.
Integração
O
setor de transportes levanta grande interesse social, já que 110 mil pessoas
viajam entre o Entorno e o DF todos os dias. Por ano, de acordo com dados da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), são 4 milhões de viagens. A
ligação única, em um sistema coletivo, é por ônibus, já que não existem trens
ou metrôs. O valor único das passagens pode superar os R$ 8, já que a tarifa se
torna maior por ser considerado transporte interestadual.
O
cientista político Leopoldo Vieira, especialista em administração pública e
analista político da TC Mover, destaca que os candidatos que forem eleitos
deveriam pensar em uma integração municipal, para amenizar os problemas
sociais. “Não existe região sem futuro, existe região sem projeto. O primeiro
desafio para o Entorno é que os candidatos, sejam de qual espectro ideológico
forem, primeiro tenham essa clareza. A lei dos consórcios públicos permite uma
solução intermunicipal, baseada em otimizar o que o território tem de
potencial, e amenizar seus principais impasses de forma conjunta”, destaca.
Leopoldo
Vieira aponta que os governos do DF, Minas Gerais e Goiás poderiam colaborar
para a iniciativa. Ele afirma que, na ausência de boas propostas, a ideologia
pode sobrepor as demais competências na escolha dos eleitores. “O fato de boa
parte dos moradores do Entorno trabalhar em Brasília é um desafio para a conquista
de votos, ainda mais com a descrença de que oportunidades e crescimento chegará
aonde moram. E a tendência, diante da falta generalizada de ideias e propostas
estruturantes, é que assuntos mais religiosos e imediatistas ao bolso dos mais
pobres continue definindo este tabuleiro político”, explica.
A
região também sofre com problemas de infraestrutura, como atendimento de
esgotamento sanitário. Apenas Formosa tem um percentual maior de população
atendida, chegando a 78,7%, segundo dados do Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento (SNIS). Em Águas Lindas e Luziânia, menos de 19% da população
é atendida por um sistema de esgoto. Em Valparaíso, esse número é 29,4%. Não
por um acaso, a situação é reclamação recorrente no município, onde moradores
relatam, ainda, problemas da rede de água pluvial.
O
cozinheiro industrial José Flávio, de 55 anos, reclama que o setor onde mora,
Jardim Céu Azul, não tem sistema de esgoto. Além disso, ressalta que a cidade
tem diversos pontos que alagam em épocas de chuva. “Tem rua que não há boca de
lobo”, afirma. O problema também é lembrado por diversos moradores, como a
comerciante Danielle Cristina, de 36 anos, que diz que a rua do seu comércio,
no setor Valparaíso I, alaga em tempos de chuva.
*
Estagiário sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza
Onde
está o problema?
Águas
Lindas
Antônia
Duarte, vendedora, 48 anos
“Tudo
precisa ser melhorado: saúde, segurança, educação. Faltam hospitais, precisamos
de um centro médico que tenha UTI. Falta, também, rodoviária, policiamento,
escolas. Esses são, na minha opinião, os principais problemas que enfrentamos
aqui”
Marlene
de Souza, desempregada, 43 anos
“Não
acredito que um político conseguirá mudar essa realidade. Não tenho esperança
em nenhum deles. Todos os que conseguem se eleger esquecem das suas promessas,
não fazem nada pela população”
Formosa
Hilton
José de Alencar, operador de máquinas, 39 anos
“Faz
duas eleições que eu voto para prefeito e sempre mudei de candidatos. Neste
ano, vou mudar de novo. Os que chegam ao poder não estão melhorando a cidade.
Tem que melhorar o asfalto, a segurança e principalmente a saúde, a espera está
muito grande”
Eliete
Rodrigues, dona de casa, 34 anos
“A
água é salobra em algumas regiões rurais e temos que comprar para beber e
cozinhar. Se não for assim, não tem como cuidar da casa, e das coisas do dia a
dia”
Valparaíso
Nicélia
Bernardes, comerciante, 35 anos
“Eles
prometem na campanha e não cumprem. Aqui, precisava aumentar o número de vagas
nos colégios. A saúde também é muito precária. Estou grávida e não consegui
fazer os exames aqui, nem os mais simples. Tive que pagar”
Eliane
Rodrigues Fonseca, vendedora, 42 anos
“Tinha
que melhorar a infraestrutura, trazer saneamento básico. A saúde também é
horrível. Acho que não vou votar em ninguém, porque fica quatro anos, não faz
nada, e quando chega perto das eleições começa a fazer obra”
Luziânia
Laura
Fernanda, comerciante, 28 anos
“Como
que não fica desiludida com tudo que a gente vê? Fica com o pé atrás. Tem os
candidatos antigos, que a gente já conhece, e tem uns novos. Mas será que eu
posso confiar meu voto? Não adianta ficar ‘queimando’ o outro candidato. Eu
quero ver proposta”
Aldinei
Gonçalves, comerciante, 50 anos
“O
principal problema aqui é saúde. Não tem hospital, e se você precisa de
atendimento tem que ir para Goiânia ou Brasília. A segurança também precisava
melhorar, e educação também. Os professores estão sempre reclamando”
*Correio
Brasiliense
Domingo,
11 de outubro, 2020 ás 13:00