Nesta
semana a Polícia Federal deflagrou a Operação Spoofing, que prendeu em caráter
temporário quatro pessoas investigadas pela invasão de telefones e obtenção de
dados do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de outras autoridades. Danilo
Cristiano Marques, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira e
Walter Delgatti Neto foram detidos nas cidades de São Paulo, Ribeirão Preto e
Araraquara.
As
práticas apontadas nas acusações e suspeitas dos investigadores são
disciplinadas pela Lei de Crimes Cibernéticos. A norma ganhou à época da aprovação o nome de “Lei Carolina
Dieckman”, em referência à atriz, vítima de invasão de aparelhos eletrônicos
pessoais e divulgação de imagens íntimas. A Lei atualizou o Código Penal
(Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) para incluir no rol de crimes
elencado neste também delitos cibernéticos.
O
Artigo 154-A do Código Penal passou a prever como crime “invadir dispositivo
informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação
indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir
dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do
dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”.
A
pena prevista é de três meses a um ano, além de multa. Mas a sanção pode ser
aumentada em determinados casos. Entre eles se as vítimas forem autoridades
como o presidente da República, Supremo Tribunal Federal, Câmara, Senado e
assembleias legislativas e câmaras de vereadores, além de governadores e
prefeitos. Se a invasão servir para obter “obtenção de conteúdo de comunicações
eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações
sigilosas”, o tempo de detenção pode ir de seis meses a dois anos.
Finalidade
Para
o advogado criminalista e professor do Instituto de Direito Público Fernando
Parente, para serem enquadrados no Artigo 154-A, é preciso comprovar que houve
finalidade de “obter vantagem ilícita”. Aí entra como uma parte importante da
investigação da identificação da origem de movimentações financeiras
incompatíveis com as rendas de parte dos detidos. A PF indicou que, entre 18 de
abril e 29 de junho, Gustavo movimentou em sua conta bancária R$ 424 mil e
Suelen, pouco mais de R$ 203 mil entre 7 de março e 29 de maio.
Contudo,
complementa o docente, se não for comprovada a obtenção de vantagem ilícita a
depender das investigações haveria a possibilidade de condenação por
“interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática”,
conforme previsto no Artigo 10o da Lei 9.296 de 1996. Neste caso, a reclusão
prevista é de 2 a 4 anos. Se fosse identificação de uma prática recorrente e
com diversas vítimas, ao delito poderia ser agregado outro, de organização
criminosa.
Mais
vítimas
A
PF suspeita que outras pessoas tenham sido vítimas de invasão. Na quarta-feira
(24), investigadores da corporação concederam entrevista coletiva na qual
disseram que aproximadamente mil números “foram alvo desse modus operandi por
essa quadrilha”, conforme definiu o coordenador-geral de inteligência, João
Xavier Filho. Mas o total de vítimas ainda está sendo analisado.
O
próprio ministro da Justiça passou a comunicar outras autoridades dessa
condição. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Otávio Noronha,
publicou nota na qual relatava ter recebido a informação de Moro de que estaria
na lista de pessoas alvo dos ataques cibernéticos. “O ministro do STJ disse que
está tranquilo porque não tem nada a esconder e que pouco utilizava o
Telegram”, destacou a Corte no comunicado.
Provas
Na
mesma nota, o STJ registrou que o ministro teria manifestado intenção de
destruir o conteúdo das mensagens acessadas pelos investigados. A declaração
trouxe uma polêmica jurídica sobre a intenção sugerida. A Ordem dos Advogados
do Brasil solicitou ao juiz do caso, Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara
Federal em Brasília, que fossem “expedidas ordens judiciais para que as
autoridades policiais, o Exmo. Ministro da Justiça e os demais interessados nas
investigações se abstenham da tomada de quaisquer medidas que possam levar ao
comprometimento da integridade do material probatório coligido na Operação
Spoofing”.
Em
outra nota, divulgada ontem, a Polícia Federal afirmou que a Operação Spoofing
não tem como objeto “a análise das mensagens supostamente subtraídas de
celulares invadidos”, que “o conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser
localizadas no material apreendido será preservado” e que “caberá à justiça, em
momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das
opções”.
Na
avaliação do advogado criminalista André Hespanhol, não cabe ao Ministro da
Justiça qualquer decisão sobre o material probatório, mas ao Poder Judiciário,
respeitando-se o devido processo legal. “Não faz parte de suas atribuições
interferir em investigações sigilosas. Não cabe ao Ministro de Estado tomar
ciência e conduzir diligências em inquérito por ele ‘escolhido’ segundo
critérios próprios, sobretudo quando já há medidas determinadas pelo Poder
Judiciário, pressupondo-se, portanto, a existência de um filtro mínimo sobre a
legalidade e controle da atividade policial e, inclusive, a atuação do
Ministério Público. Menos ainda quando o Ministro é pessoalmente interessado”,
comenta.
Segundo
o advogado, cabe ao Poder Judiciário definir se uma prova é lícita ou não, o
que poderá ser feito com elas, quando e como, “dentro das prescrições legais e
das balizas estabelecidas na jurisprudência dos Tribunais Superiores”. “Aquelas
provas podem ser usadas não só para a acusação dos autores da conduta apontada
como criminosa, sua extensão, potencial lesivo e até mesmo outros atores, mas,
fundamentalmente, para a defesa de tais indivíduos e terceiros naquele contexto
implicado”, acrescenta.
Cuidados
Para
o advogado especialista em direito digital Luís Fernando Prado, não somente
autoridades mas todo cidadão está sujeito à invasão de celulares ou outros
dispositivos informáticos. Caso um indivíduo verifique essa situação pode
procurar uma delegacia especializada em crimes cibernéticos e solicitar uma investigação
sobre o ocorrido e os responsáveis. Outra alternativa é abrir um processo na
esfera civil para exigir reparação, como a condenação por danos morais.
Além
disso, o advogado sugere a adoção de medidas imediatas logo após a ciência de
um ataque. “A primeira recomendação é trocar a senha não só naquele dispositivo,
mas em todos os outros. O segundo passo é ativar dupla autenticação, que hoje
diversos serviços possuem. A terceira é preservar as provas. Se houve transação
indevida na minha conta, tenho que reunir provas que não fiz aquilo”,
aconselha. (ABr)
Sábado,
27 de julho, 2019 ás 11:00