O
gesto do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) de não acolher a
decisão liminar do ministro da Corte, Marco Aurélio Mello, que ordenava o seu
afastamento do cargo, foi uma "afronta"
aos poderes do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta sexta-feira o
ex-ministro Carlos Ayres Britto. Segundo ele, o não cumprimento de uma ordem
judicial foi o que houve de mais grave e lamentável no episódio que arranhou a
imagem tanto do Judiciário quanto do Legislativo.
“No
âmbito dos poderes quem fala por último é o Judiciário. E no âmbito do
Judiciário quem fala por último é o Supremo”, disse ele nesta sexta-feira, 9,
logo após participar de um seminário em São Paulo. Ayres Brito foi ministro do
Supremo entre os anos de 2003 e 2010.
“O
que houve de mais lamentável neste episódio foi exatamente essa recusa de
cumprir a decisão do ministro Marco Aurélio, porque não há hierarquia entre
decisão monocrática, decisão judicial monocrática, decisão de turma e decisão
judicial de pleno, num tribunal. As três modalidades de decisão gozam da mesma
força impositiva. E deixar de cumprir a liminar do ministro Marco Aurélio me
soou afrontoso da autoridade do Supremo”, afirmou
Para
o ex-ministro, a Mesa Diretora não tem competência para descumprir uma ordem
judicial e sua recusa, segundo ele, foi um “nada jurídico”. “A Constituição não
hipotetisa, por nenhum modo, esse tipo de descumprimento de uma ordem
judicial”, disse. Segundo ele, o certo seria acolher para posteriormente
recorrer da decisão. “O recurso é no pressuposto do cumprimento”.
Renan,
no entanto, apresentou recurso ao Supremo mesmo sem ter recebido o oficial de
Justiça que foi à residência oficial do presidente do Senado e ao Congresso lhe
entregar a intimação. O gesto foi apoiado pela Mesa Diretora, que decidiu
aguardar a manifestação do Pleno do STF usando o argumento que a liminar sobre
o afastamento se tratava de uma decisão monocrática.
Ayres
Britto observa que a atitude de Renan e da Mesa Diretora do Senado está
prevista na Constituição como crimes de desobediência a ordem judicial,
prevaricação e obstrução ao funcionamento da Justiça, a depender da
interpretação. Ele, no entanto, esquivou-se de dizer se o Supremo deveria
expedir ordem de prisão contra os senadores. “Há quem diga isso também”, disse.
Em
relação ao posterior julgamento do plenário do Supremo, que por 6 votos a 3
decidiu pelo não afastamento de Renan, Ayres Britto afirmou que tanto Marco
Aurélio quanto os demais ministros decidiram de forma técnica e com base em
fundamentos da Constituição.
“Numa
Constituição cheia de princípios como a nossa e tão materialmente espandida, o
equacionamento jurídico por vezes é entre o certo e o certo. A decisão do
Ministro Marco Aurélio tinha fundamento na Constituição e ele explicitou. A
decisão do ministro Celso de Mello, que inaugurou a divergência, também tinha
fundamento na Consituição e ele explicitou”, disse.
Segundo
ele, quando se está diante de um dilema “entre o certo e o certo”, a decisão
que deve precalecer é aquela “que tem a força de imprimir à Constituição
maiores ganhos de funcionalidade sistêmica”. Na opinião do ex-ministro, a
liminar do ministro Marco Aurélio é a que reúne esta característica.
O
ministro descartou a possibilidade de ter havido um acordo jurídico para que o
plenário da Corte encerrasse a crise institucional causada pela liminar. “Não
acredito (em acordo). Nos meus quase 10 anos nunca vi nada de acordo com outros
membros de poder. Cada ministro votou de acordo com sua convicção pessoal. Não
houve decisão política. Todo mundo decidiu tecnicamente”, disse. Segundo o
ministro, um “genérico e abstrato” como o constitucional é passível a mais de
uma interpretação. (AE)
Sexta-feira,
09 de dezembro de 2016