O mais ambicioso programa de
reformas de estrutura da história do Brasil foi o do presidente João Goulart
(1961-1964), que havia assumido governo no lugar de Jânio Quadros, em meio a
uma tentativa de golpe e graças a uma solução de compromisso: a adoção do
parlamentarismo. Em razão das nossas desigualdades, no seu governo havia um
cenário de radicalização político-ideológica e intensificação dos conflitos
sociais.
As chamadas Reformas de Base
abarcavam um conjunto amplo de problemas: a questão agrária, o sistema
financeiro, a crise fiscal, a urbanização acelerada, o atraso burocrático e o
acesso às universidades. O principal objetivo delas era combater a concentração
de propriedade e de renda, além de ampliar a participação política da
sociedade.
Jango também pretendia criar
condições para os inquilinos comprar as residências que alugavam com títulos
públicos. Também pretendia limitar a remessa de lucros ao exterior, estatizar
alguns setores econômicos e expandir a Petrobras. Além disso, estava aceitando a
pressão de militares de baixa patente para aumentar a sua representação
política concorrendo a cargos eletivos, como os de vereadores e deputados.
Nada disso significava uma
mudança de regime político, uma opção pelo socialismo. Mas assim passou a ser
visto pela maioria da sociedade, após intensa campanha da oposição, liderada
pelo governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o principal líder da UDN à
época, que era candidato a presidente da República.
O Congresso, de maioria
conservadora, rejeitou as reformas de base. Jango resolveu mobilizar os
trabalhadores urbanos e rurais para respaldar a adoção das reformas por decreto
presidencial. No dia 13 de março de 1964, o chamado comício da Central do
Brasil, reuniu cerca de 150 mil pessoas. Nele, Jango anunciou que decretaria as
Reformas de Base, à revelia do Congresso.
A reação conservadora foi
imediata: convocada por forças políticas e religiosas de direita, a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade, na cidade de São Paulo, em 19 de março de
1964, reuniu quase 500 mil pessoas. Outras manifestações se realizaram no
interior paulista e em outros estados. Em 31 de março de 1964, um golpe militar
foi deflagrado, depôs Jango e deu início a 21 anos de ditadura.
No dia 2 de abril, no Rio de
Janeiro, realizou-se a Marcha da Vitória. Não foram apenas o ambiente de guerra
fria e a quebra de hierarquia nas Forças Armadas que viabilizaram golpe. As
marchas conservadoras demonstraram que o golpe também era vitorioso na
sociedade.
Qual é a moral da história?
Darcy Ribeiro dizia que foi melhor ser derrotado do lado certo, pois as
reformas eram necessárias. E eram mesmo, tanto que a maioria foi feita pelos
militares, durante a ditadura, como o Estatuto da Terra, a estatização de
empresas de infraestrutura e expansão da Petrobras, a reforma bancária e
fiscal, a expansão das universidades.
Alguns chamam esse processo de modernização de
“revolução passiva”, outros de “autoritarismo funcional”. Os militares que
apoiaram Bolsonaro sonhavam — e ainda sonham — com a ressignificação do regime
militar.
Jango pôs o carro à frente dos
bois, ao tentar fazer as reformas de base na marra, sem aprovação do Congresso.
Além disso, a esquerda considerava um retrocesso a volta de JK, o favorito nas
eleições marcadas para 1965. Para se manter no poder, defendia a candidatura de
Brizola, inelegível por ser cunhado do presidente.
1964 serve de exemplo para
Lula, que precisa adotar um programa mais modesto do ponto de vista das
reformas. É mais exequível focar na gestão ambiental e nos direitos básicos e
universais (saúde, educação, trabalho, moradia, transporte e segurança
pública). É o caminho para construir uma maioria no Congresso e corresponder à
expectativa dos eleitores, que se resume a trabalho e renda, além do respeito
aos direitos humanos e o combate a ditadura do $TF onde um só homem manda em tudo
e em todos.
Com o Correio Braziliense
Sexta-feira, 20 de janeiro 2023
às 11:46