Liberdade de expressão

“É fácil submeter povos livres: basta retirar – lhes o direito de expressão”. Marechal Manoel Luís Osório, Marquês do Erval -15 de abril de 1866

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26 abril, 2019

A lei Moro



Cinco meses após deixar a magistratura, o ministro Sergio Moro já mostrou que tem talentos de um político em ascensão. À frente do Ministério da Justiça, uma das mais poderosas pastas do governo, ele é o responsável pelo projeto mais vistoso depois da reforma da Previdência. São propostas que ampliam o cerco a corruptos e corruptores e estabelecem novas regras para o combate ao crime organizado. Em um país ainda manchado pela tradição de impunidade, a implementação dessas iniciativas goza de grande aceitação popular. Não é por acaso que o ministro, apesar dos tropeços iniciais da gestão Bolsonaro, continua muito popular, segundo as pesquisas. De acordo com o instituto Datafolha, Moro é conhecido por 93% dos brasileiros e aprovado por 59%. É natural que as crises e os problemas que fatalmente surgirão ao longo do governo mitiguem essa aceitação. Há, porém, quem aposte no contrário.

Ao deixar o comando dos processos da Lava-Jato em Curitiba para assumir o Ministério da Justiça, Moro confidenciou que sua maior ambição era ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) — a tal que, como disse na semana passada, corresponde a “ganhar na loteria”. No meio político, cristaliza-se a certeza de que o ministro tem plano mais ambicioso: suceder a Jair Bolsonaro. Indagado a respeito, ele desconversa: “Os desafios (atuais) já são suficientemente grandes para eu ocupar o meu presente. Então, não preciso ficar me preocupando com o que vou fazer daqui a quatro, oito, doze, vinte anos”, respondeu.

Pois o receio do meio político já resultou numa novidade: tramita no Congresso um projeto de lei que estabelece uma quarentena de cinco anos para juízes ou membros do Ministério Público que pretendam disputar eleições. Ou seja, se aprovada, a proposta fulminaria, de imediato, qualquer intenção do ministro da Justiça de disputar eleições até, no mínimo, novembro de 2023. Autor do projeto, o deputado Beto Pereira (PSDB-MS) explica que o objetivo é impedir que a Justiça seja usada para fins políticos. “A gente precisa garantir que as decisões de magistrados e procuradores sejam isentas, sem contaminação de política partidária ou ideologia”, diz o tucano.

Por que cinco anos, e não quatro, por exemplo? “Acho que cinco anos é um prazo razoável de desintoxicação, já que superaria as eleições municipais do ano que vem e também as próximas para o Executivo e o Legislativo”, diz o parlamentar. Na política, os tiros têm alvos bem definidos. O projeto que impediria Moro de sair candidato atingiria, por tabela, magistrados que se destacam no cenário jurídico. O juiz Marcelo Bretas, da Lava-­Jato do Rio de Janeiro, é apontado pelos congressistas como um forte postulante a testar a popularidade nas urnas. Responsável por decretar a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, Bretas é ativo em suas redes sociais e já se declarou um simpatizante do presidente Bolsonaro. Há pouco, publicou uma foto em que aparece ao lado do governador do Rio, Wilson Witzel, também ex-juiz, no Estádio do Maracanã, acompanhando a final do Campeonato Carioca.

Diz-se, à boca miúda, que Bretas pensa em disputar a prefeitura do Rio no próximo ano. Se essa hipótese se confirmar, ele teria como um de seus adversários o atual prefeito, o bispo Marcelo Crivella. É esse aparente conflito de interesses que a quarentena pretende evitar. Crivella é alvo da Lava-Jato do Rio, e há a possibilidade de seu caso acabar sendo julgado pelo próprio Bretas. Como juiz, ele pode fulminar um rival político. Para valer na próxima eleição, a quarentena tem de ser aprovada até outubro deste ano. O prazo é exíguo, mas o Congresso, quando se interessa pela matéria, consegue ser ágil. O texto apresentado não fixa a data a partir da qual a regra valeria. Para o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Henrique Neves, em casos assim, o STF já tem um entendimento. “Mesmo juízes que se exoneraram antes da lei seriam afetados. Pega todo mundo”, afirma o jurista.

Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632

Sexta-feira, 26 de abril, 2019 ás 22:00

Supremo banquete



Em tempos de ajuste fiscal, quando se cobram sacrifícios de toda a sociedade para a redução de gastos públicos, o Supremo Tribunal Federal (STF) não tem sido um dos melhores exemplos de austeridade. Em meio à crise que levou-o a impor censura à imprensa, o tribunal presidido pelo ministro Dias Toffoli decidiu abrir nesta sexta-feira 26 uma licitação que agrava ainda mais sua combalida imagem: vai contratar uma empresa que sirva banquetes aos ilustres ministros togados e seus comensais. Na farra gastronômica serão gastos R$ 1,1 milhão, dinheiro que será bancado pelo cidadão comum que paga exorbitantes impostos. Os banquetes serão realizados nos amplos e luxuosos salões do próprio STF.

O processo de contratação do buffet prevê o fornecimento de pelo menos 2,8 mil refeições (almoços ou jantares), 180 cafés da manhã, outros 180 brunchs (cafés mais reforçados) e três tipos de coqueteis para 1.600 pessoas. Na lista de exigências do contrato, previsto para durar 12 meses, prorrogáveis por mais 60 meses, estão pratos dignos dos melhores restaurantes do mundo, comparados aos badalados cinco estrelas do guia Michelin. No menu do Supremo, a empresa está obrigada a disponibilizar pratos com medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada, bobó de camarão, camarão à baiana, bacalhau à Gomes de Sá, arroz de pato, pato assado com molho de laranja, galinha d’Angola assada, vitela assada, codornas, carré de cordeiro, medalhões de filé, tournedos de filé com molho de mostarda, pimenta, castanha de caju com gengibre, entre outros.

Glamour

Obviamente que para um menu desse nível seriam necessárias bebidas perfeitas para harmonizar degustações com tanto glamour. Afinal de contas, um medalhão de lagosta não pode ser servido com um vinho qualquer. E qual foi a solução adotada pelo Supremo para resolver essa delicada questão culinária? Simples. A licitação prevê que as “bebidas deverão ser perfeitamente harmonizadas com os alimentos” servidos. Justamente por isso, na lista de bebidas exigidas estão dois tipos de espumantes (brut e extra brut), que precisam ser produzidos pelo método champenoise e “que tenham ganhado ao menos quatro premiações internacionais”. Para quem não sabe, o método champenoise é o chamado “método tradicional”, cuja produção do espumante é quase artesanal e de qualidade superior ao método Charmat, mais simples e barato. Ainda sobre os espumantes, na lista do Supremo o champagne precisa ter pelo menos 12 meses de maturação. O extra brut deve ter no mínimo 30 meses.

Além dessa sofisticação etílica, o STF exige que em seus banquetes a empresa vencedora da licitação disponibilize vinhos de seis uvas de variedades diferentes: Tannat, Assemblage, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc. Nos casos dos Tannat, Assemblage e Cabernet Sauvignon, o vinho precisa ser obrigatoriamente de safra igual ou posterior a 2010. Outras características singulares determinadas no edital: todos os vinhos precisam ter pelo menos quatro premiações internacionais. No caso do Tannat ou Assemblage, o STF exige que tenham sido envelhecidos em “barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso”. A exigência por essa característica é simples. Barris de carvalho franceses são considerados pelos especialistas como “complexos, elegantes e que geram taninos suaves na bebida”. Além disso, quando o carvalho é de primeiro uso proporciona uma bebida com maior influência do barril no processo de maturação.

Sobre os vinhos brancos, Chardonnay e Sauvignon Blanc, o procedimento licitatório apresenta aspectos, no mínimo, curiosos. As uvas para as duas bebidas precisam, necessariamente, ser colhidas à mão. E se isso não fosse o suficiente, uma última, mas não menos importante exigência do Supremo: os uísques de puro malte, precisam ser envelhecidos por 12, 15 ou 18 anos. Já as cachaças para as caipirinhas devem ganhar idade em “barris de madeira nobre” por um, dois ou três anos. A empresa responsável por esse serviço de buffet será responsável por disponibilizar, em cada evento, um garçom para cada seis pessoas. Nos eventos menores, deverá haver um garçom para cada dez convidados.

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que constantemente tem criticado o Supremo por suas atitudes pouco transparentes, condenou a lista de compras do STF. “O presidente Bolsonaro exonerou uma diretora de um hospital que iria dar um jantar de R$ 280 mil. Isso deveria servir de exemplo para todos nesta nação”, declarou a parlamentar. “A licitação é uma vergonha e mais um abuso diante da crise que estamos vivendo. O Congresso tentando aprovar a reforma da Previdência para reduzir gastos, enquanto o Supremo investe em mordomias”, complementou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES), autor dos dois requerimentos de investigação no Senado sobre as ações do Poder Judiciário, a chamada CPI da Lava Toga. De fato, o STF mostra que está totalmente divorciado da realidade brasileira. (IstoÉ)

Sexta-feira, 26 de abril, 2019 ás 09:30