“O
melhor lugar do mundo. É dentro de um abraço”, a música da banda mineira Jota
Quest fala sobre uma das principais expressões de carinho que é lembrada sábado
(22/5): o abraço. A letra continua, e mostra tudo que esse pequeno gesto pode
fazer: “Tudo que a gente sofre. Num abraço se dissolve. Tudo que se espera ou
sonha. Num abraço a gente encontra”.
A
presidente da Federação Latino-Americana de Análise Bioenergética (Flaab), Edna
Lopes, disse que, pensando no abraço de uma forma mais ampla, quando abraçamos
alguém, ou quando somos abraçados, “A gente se conecta com o campo afetivo íntimo
no corpo de ambas as pessoas. A respiração, o ritmo cardíaco pode se harmonizar
em um abraço demorado”. Edna explicou que o abraço pode acolher várias emoções,
como tristeza e medo. Pode dar limites à raiva; pode ampliar as sensações
prazerosas, amorosas, de todo tipo de amor vivido, como amor filial, fraterno,
entre casais e até com animais. Para ela, o abraço é a expressão do vínculo que
nós estabelecemos com as pessoas, mas também com tudo que está no mundo, com
tudo que nos envolve.
A
professora do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), Edna Ponciano, explicou à Agência Brasil que a experiência
emocional é toda manifestada por sinais corporais que indicam se o que a pessoa
está vivendo é bom ou ruim. “Nesse sentido, o abraço entra como uma forma de
sinalizar que uma coisa boa está acontecendo”. Destacou que isso se refere ao
abraço consensual, em que há consentimento de ambas as partes e que vai
comunicar um bem-estar.
De
acordo com Edna, desde bebê, o ser humano tem diversas sensações afetivas e,
embora não possa falar, seu corpo já se expressa e o adulto que cuida já
percebe essa expressão. À medida que vai crescendo, o bebê demonstra tristeza,
alegria, raiva. “E o abraço entra em todas essas situações, no sentido de
propiciar um conforto para a intensidade da experiência emocional que ocorre no
corpo. Os bebês são acalentados no abraço”. A criança sente o corpo do adulto
que o acalenta, como já sendo um abraço.
O
que gera essa sensação de calma é o nervo vago, que vai subindo desde a parte
baixa da barriga, como ramos que não têm uma linearidade clara, e vão se
espalhando, passando pelas vísceras, estômago, coração, laringe, faringe e
pulmão.
“O
nervo vago tem a ver com o abraço, porque quando você abraça, você encosta o
seu nervo vago com o da outra pessoa. Se resume em encostar a barriga com a
barriga e o peito com o peito da outra pessoa, que é o abraço. Isso acontece
com os bebês e dá a sensação de calma e, depois, continua sendo importante na
vida adulta”.
O
abraço faz parte do comportamento dos brasileiros que, agora, no distanciamento
social, inventam meios de se tocar com os cotovelos ou mãos fechadas. “É uma
característica cultural. Mas nada substitui o abraço, porque não toca o nervo
vago e não dá aquela sensação de calmaria”, assegurou Edna Ponciano.
Para
o professor de psicologia médica da Pós-Graduação em Psiquiatria da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Luiz Guilherme Pinto, a
situação que o mundo está vivendo neste momento, por conta da pandemia do novo
coronavírus, é muito particular. Segundo ele boa parte da população que está
tomando todos os cuidados recomendados pelas autoridades sanitárias “está
carecendo de abraços”.
É
o caso da professora aposentada Maria das Dores, que mora no Distrito Federal e
é mãe da Priscilla, que mora em Sidney na Austrália. Os voos de um país para o
outro duram cerca de 30 horas. Já no início da entrevista a aposentada
disparou: “Quando você fala do abraço, chega me aperta o coração! O quanto
sinto falta! Nossa! ”. Mesmo com pedidos de que “só não valia chorar”, a
aposentada não conseguiu conter as lágrimas, disse.
Isso
porque Maria das Dores já estava com passagem comprada para o mês de abril para
comemorar o aniversário do netinho mais velho, Henry. Quando veio a pandemia,
ela soube que outro netinho estaria a caminho e como teve de alterar a data da
passagem, marcou para junho, quando o pequeno Benjamin nasceria. “Depois disso,
já remarquei minha passagem duas vezes. Meu visto perdeu a validade! Minha
passagem a empresa disse que vai reembolsar, só não sei quando. ”, disse ela,
que comentou que o custo emocional é muito maior, pois não pôde acompanhar nem
o nascimento nem o tratamento do neto que chegou a ir para a UTI. Os presentes
que ela comprou ainda estão no Brasil: roupinhas para bebê, brinquedos. “Essa é
uma situação que eu nunca imaginei, ninguém imaginou! Sinto falta de brincar
com meus netos, de abraçar, de estar presente! ”, desabafa.
Para
amenizar a saudade, Maria das Dores recorre ao bate papo virtual: “Hoje mesmo,
à noite, minha filha vai fazer chamada de vídeo entregando um presente que eu
comprei e mandei entregar lá. É uma arminha de bolha de sabão. Estou sonhando
com esse momento”, relata.
Já
personal traine Henia Aquino conseguiu realizar o sonho de voltar a abraçar a
mãe, já vacinada. "Depois de um ano e meio eu dei o primeiro abraço na
minha mãe porque ela já tomou as duas doses da vacina. Eu tenho tomado todos os
meus cuidados e esse abraço foi muito bom”, comemorou.
Na
avaliação do psicólogo Marcello Santos, do Conselho Regional de Psicologia do
Rio de Janeiro (CRP-RJ), o abraço é a poesia do mundo sem palavras. “É aquele
momento em que você envolve o outro e o outro te envolve. É o momento em que
você acolhe aquilo que o outro está trazendo. Você acolhe o outro
incondicionalmente no seu abraço e isso faz com que o sujeito se sinta dentro
de um clima de hospitalidade, de cordialidade, de afeto. Como falam em algumas
culturas, é o choque de corações”.
Santos
reforçou que o abraço requer uma certa intimidade que, às vezes, ocorre naquele
único momento, como acontece muitas vezes em jogos de futebol, quando os
torcedores se abraçam para comemorar um gol do seu time. Ou no Ano Novo, em que
pessoas desconhecidas uma das outras acabam abraçando alguém para ter um
contato. “É o encontrar com o outro. Nesse sentido, é muito bom para a saúde
mental, se pensar que a saúde mental não é só uma questão do organismo, mas de
um contexto que vai desde o acesso aos serviços até a boa vida em família, o
lazer, o encontro, o contato com o outro, de formas saudáveis”, disse Santos.
Os
psicólogos da Eurekka, centro de distribuição de empresas emergentes, focado em
saúde e bem-estar, com forte atuação em psicoterapia e medicina, comentam a
importância do abraço, ato de afeto que pode diminuir sintomas de depressão,
pânico, solidão, abandono, entre outros sentimentos que têm abalado
emocionalmente a população.
Para
o psicólogo Henrique Souza, cofundador da Eurekka, embora se saiba que o
cenário atual tem afastado pessoas e provocado uma série de problemas
psicológicos, a demonstração de carinho continua sendo muito importante,
principalmente entre famílias, crianças e idosos. Na sua avaliação, abraçar
alguém na pandemia não significa apenas o contato físico. Essa ação pode
acontecer de diversas formas, desde indagar se a pessoa está bem até ajudar em
algo que ela precise.
"Existem
várias formas de abraçar uma pessoa. Você pode começar se envolvendo na causa
dela, perguntando se ela está bem, se precisa de algo para aquela semana, se os
familiares dela estão bem. Pode fazer uma chamada de vídeo para estabelecer
mais contato ou até mesmo dar suporte para algo que aquela pessoa precisa naquela
semana, como ir à farmácia, mercado, padaria, e poupar o outro da
exposição", destacou Souza. (ABr)
Sábado,22
de maio, 2021 ás 9:29