Na semana que passou, levado por dois de
seus democráticos sapatos, o Legislativo e o Judiciário, o Brasil enfiou os pés
na lixeira moral. E cobriu a cabeça com a tampa da lata. Ali estamos. Numa
noite, noite em que até os urubus de Brasília foram embora nauseados, o
Congresso Nacional, derrubando vetos do Presidente Bolsonaro, decidiu que
delegados, promotores e magistrados ficam sob risco de prisão se se meterem com
quem não devem.
Sabe
com quem está falando? Não sabe? Então não se meta. Ao derrubar os vetos de
Bolsonaro, a maioria dos congressistas estabeleceu uma nova ordem segundo a
qual quem deve não teme.
FALACIOSA ERUDIÇÃO – Duas tardes depois, no STF, seis
ministros gastaram latim, português e entoaram a falaciosa erudição de seus
assessores para sepultar a Operação Lava Jato.
Com
quanta autoridade o fizeram para arrancar da viciosa, prostituída e
inextinguível cartola constitucional, mais uma artimanha recursal na escalada
da impunidade! Morte à Lava Jato! Haja pedantismo para criar uma nova gambiarra
salvadora no Código de Processo Penal! A tudo assisti na pungente condição de
sujeito passivo das decisões.
DISSE VIEIRA – A essas alturas, temendo mais à
impunidade do que ao crime, vendo depenarem as asas da Nação para que nem mesmo
nossas aspirações pudessem voar, lembrei-me de Vieira: “Entre o conhecimento do
bem e do mal há uma grande diferença: o mal conhece-se quando se tem e o bem
quando se teve; o mal quando se padece, o bem quando se perde”.
Não
é uma descrição perfeita do que está acontecendo conosco? Não faltará quem diga
que este grito de dor cívica clama contra a democracia; que é um desabafo de
insubordinação às instituições. O mal súbito que acomete alguns intérpretes da
realidade nacional, pretensos pastores da opinião alheia, se expressa, ele sim,
em profundo desprezo à democracia.
Dietrich
Bonhoeffer, pastor protestante e membro da resistência antinazista alemã,
enforcado em 1945, encerra toda polêmica a respeito com frase definitiva, que
inculpa boa parte da imprensa brasileira nestes dias: “O silêncio ante o mal é,
em si mesmo, o mal. Não falar é falar. Não atuar é atuar”.
VILANIA
– Meu desprezo não vai à democracia. Ele vai à vilania de quem, no Congresso
Nacional, delibera em benefício próprio, inibindo a ação dos agentes aos quais
incumbe fiscalizar e investigar, defender o bem público e promover o combate à
criminalidade e à corrupção. Ou, ainda, no outro lado da Praça, intima ao
silêncio da gaveta investigações a que comparece o CPF de quem tem a chave da
gaveta.
Não
menos desprezível é o ato de deliberar sobre matéria de elevadíssimo interesse
nacional mobilizado por sentimentos vis – de vingança, inveja, ira e ciúme –
que jamais deveriam ter acesso ao ambiente de trabalho de quem tem o dever de
servir a boa Lei e a boa Justiça.
Mataram
a Lava Jato. É possível que, na semana que vem, ela desça ainda respirando do
pelourinho armado no STF. Mas descerá em maca, debilitada, desestimulada,
caricatura de si mesma, como convém à festa dos corruptos.
Que
nos socorra o Deus dos desgraçados. A Ele nossas orações.
(Percival
Puggina)
Domingo,
29 de setembro ás 19:10